quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O incômodo da depressão


Depressão é a quase completa capitulação do ânimo, do bem-estar, da segurança emocional, da autoconfiança, da alegria, da vontade de viver

O adjetivo incômodo é brando demais. Depressão é muito mais do que incômodo. Seria melhor escrever: a agrura ou o tormento da depressão, mesmo que algumas sejam mais brandas que outras! Suas causas são complexas e podem ser sociais, emocionais, espirituais ou neurológicas. 
A morte de um ente muito próximo, uma enfermidade grave, a perda de um emprego, uma decepção amarga, um susto financeiro, uma traição conjugal, o envolvimento de uma pessoa da família no mundo das drogas, os maus-tratos contínuos de um cônjuge contra o outro, o ciúme justificado ou não de um cônjuge e muitas outras coisas podem levar alguém à depressão. 

Independentemente de tudo isso, a depressão pode ocorrer. Mas a depressão nunca é uma fraqueza moral. Pode, em alguns casos, ser inicialmente provocada por uma conduta errada ou por falta de saúde espiritual, mas o deprimido não pode ser tratado como um pecador -- pelo menos antes de ser curado da depressão. Qualquer providência em contrário só agrava o problema. Prova disso são a depressão do patriarca Jó e a depressão do profeta Elias, dois notáveis personagens da história do Antigo Testamento.

A depressão de Jó

Poucas pessoas sofreram tanto quanto o homem da terra de Uz. Ele perdeu todos os seus bens -- era o homem mais rico do Oriente -- e todos os seus dez filhos num único dia (Jó 1.13-22). Perdeu sua saúde (Jó 2.1-10) e sua elevada posição social (Jó 19.9; 30.9-11). Perdeu a solidariedade religiosa da esposa (Jó 2.9-10) e sofreu críticas tremendamente injustas da parte de seus amigos (Jó 4.1-11). Tudo isso o levou a uma grande depressão, cujas proporções ele mesmo descreve:

“Não sou capaz de me ajudar a mim mesmo, e não há ninguém que me socorra” (6.13).
“O meu coração está cheio de amargura” (7.11).
“Detesto a vida; não quero mais viver [...] minha vida não vale nada” (7.16).
“Agora já não tenho vontade de viver; o desespero tomou conta de mim” (30.16).
“O meu coração está agitado e não descansa [...] levo uma vida triste, como um dia sem sol” (30.27-28).
“Minha harpa está afinada para cantos fúnebres, e minha flauta para o som de pranto” (30.31).

Em meio a essa sentida depressão, Jó soube manter a fé e a esperança em Deus: “Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra” (19.25). O que esperava aconteceu: “O Senhor abençoou a última parte da vida de Jó mais do que a primeira” (42.12).

A depressão de Elias

Depois de experimentar vitórias assombrosas em seu ministério (basta lembrar a ressurreição do filho da viúva de Sarepta) e de enfrentar a terrível Jezabel, o rei Acabe e os quatrocentos profetas de Baal, o profeta Elias caiu em profunda depressão. Em meio a essa agrura, ele orou: “Já chega, ó Senhor Deus! Acaba agora com a minha vida! Eu sou um fracasso, como foram os meus antepassados” (1Rs 19.4).

Essa vontade de morrer e essa autodepreciação extrema são ingredientes de quase toda depressão. Deus cuidou de Elias.

Muitos outros servos de Deus, como Lutero e Calvino, os dois mais notáveis reformadores, passaram por momentos depressivos. Quando Calvino ficou viúvo aos 40 anos, depois de nove na companhia de Ialete, ele escreveu a um dos seus maiores amigos, o pastor Pierre Viret: “Conquanto a morte de minha esposa tenha sido demasiadamente dolorosa para mim, até agora tenho dominado meu pesar da melhor maneira que consigo [...] Se não me fora concedido um forte autocontrole, eu não haveria suportado tanto”.

No formidável livro ilustrado “Eu Tinha um Cão Negro -- seu nome era depressão”, o neozelandês Matthew Johnstone afirma que a depressão “é um demônio de quatro patas onipresente, que permeia absolutamente tudo, como uma gota de tinta num copo d’água”. E um PhD em psiquiatria de uma universidade australiana, prefaciador do livro de Johnstone, acrescenta que “uma em cada quatro mulheres e um em cada seis homens irão, em algum tempo da vida, sofrer uma crise de depressão clínica”. Para ele, “existe uma terceira certeza na vida, além da morte e dos impostos -- todos nós ficaremos deprimidos”.

Nem sempre é possível evitar a depressão por meio de medidas preventivas, embora oportunas. Mas há cura para a depressão e ela deve ser buscada de maneira sábia e persistente. Há uma variedade enorme de providências cabíveis. A depressão pode ser afastada por meio de cuidadosos e equilibrados exercícios espirituais (gritos de socorro dirigidos a Deus na prática da oração, confissão da fragilidade, leitura devocional, apropriação de promessas bíblicas etc.), por meio de assistência terapêutica (oferecida por amigos íntimos, parentes sensíveis, conselheiros capazes e pastores de almas) ou por meio de assistência médica (psicológica e psiquiátrica). A medicação apropriada e na dosagem recomendada nunca deve ser descartada.

Pierre Viret, pastor em Neuchâtel e, depois, em Lausanne, ambas na Suíça, tinha apenas 35 anos quando também perdeu a esposa após uma enfermidade prolongada. Além da dor da viuvez, ele estava sobrecarregado de problemas em seu ministério. Em 1546, Viret escreveu a Calvino em Genebra: “Estou completamente desesperado e prostrado com aquela flecha de aflição [a morte da esposa]. O mundo inteiro me parece um fardo. Nada, absolutamente nada, pode aliviar a angústia de minha mente”. O que João Calvino fez para socorrer o amigo? Mandou-lhe uma carta intimando-o a vir o mais rapidamente possível a Genebra para, na companhia dele e de outros pastores, libertar sua mente não só da tristeza, mas também de todos os aborrecimentos acumulados até então. Calvino prometeu não impor-lhe cargo algum e deixá-lo totalmente à vontade. Deu-lhe também a sua palavra de que nem ele nem os cidadãos de Genebra lhe seriam inconvenientes.

Os dois amigos agiram de forma muito cristã para superar a fase depressiva do primeiro: Viret pôs a sua dor para fora e Calvino a tomou em seus braços!

0 comentários:

Postar um comentário