quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O incômodo da culpa



Sentimento de culpa é a lembrança viva, insistente e deprimente de algum procedimento errado aos olhos de Deus, de conhecimento privado ou público, recente ou remoto, provocado pela falta de arrependimento, confissão e perdão. Enquanto não é imaginário nem doentio, o sentimento de culpa é uma graça de Deus, uma dor que cura, uma terapia saudável. Sem o peso da mão de Deus dia e noite sobre a sua cabeça, o tumor da culpa do rei Davi nunca seria espremido nem curado. Suas transgressões só foram perdoadas e seus pecados só foram apagados depois do incômodo da culpa (Salmo 32). Mas a culpa não é um medicamento de uso contínuo. Uma vez bem-sucedida no sentido de levar o paciente a admitir o pecado cometido, a se arrepender dele e a confessá-lo sem rodeios, diretamente a Deus, a culpa se retira e só volta quando tiver de cumprir mais uma vez a mesma missão. O crente comete uma tolice e sofre desnecessariamente quando, depois de perdoado por Deus -- contra quem em última análise pecou --, continua a hospedar a culpa.
A Bíblia lança mão de pelo menos quatro figuras para mostrar que a culpa é de fato removida pela graça de Deus depois do tratamento dispensado ao pecador.

A figura do bode emissário

Todos os anos, no dia 10 do sétimo mês do calendário judaico, realizava-se em Israel o Dia do Perdão (também chamado o Grande Dia da Expiação ou o Yom Kippur dos judeus), por meio do qual conseguia-se “o perdão dos pecados de todo o povo”. Depois do sacrifício do bode expiatório, o sacerdote colocava as duas mãos sobre o bode vivo e confessava todas as iniquidades, as rebeliões e os pecados dos israelitas, colocando-os sobre a cabeça do animal, que, em seguida, era levado para muito longe, para o deserto, onde ficava para sempre (Lv 16.21-22).

A figura da neblina

A palavra de Isaías a Israel por volta do ano 700 antes de Cristo não poderia ser mais amável e cheia de misericórdia: “Eu faço desaparecer as suas ofensas, como se fosse uma nuvem; como o sol faz desaparecer a neblina da manhã, assim eu faço desaparecer os seus pecados. [Portanto] volte para mim, porque eu já paguei o preço do seu resgate” (Is 44.22). A paráfrase de Eugene Peterson traduz assim: “Eu apaguei a lista de todos os males que você cometeu. Não restou nada dos seus pecados. [Então] volte para mim, volte! Eu salvei você”. Diante de tais palavras, é absoluta falta de bom senso carregar uma culpa que não existe mais. Para entender melhor essa figura, seria bom ver duas fotografias aéreas de Londres. Na primeira, só se distingue a parte mais alta dos edifícios mais altos porque a cidade está coberta de neblina. Na outra foto, dá para ver Londres inteira de baixo para cima, pois o sol fez desaparecer o nevoeiro todo!

A figura das profundezas do mar

Agora é o profeta Miqueias, contemporâneo de Isaías, quem dá uma notícia incrível ao mesmo povo de Israel e a todos os que adoecem, física e emocionalmente, por continuarem sob a pressão da culpa, sem que haja a menor razão para tanto.
Dirigindo-se a Deus, ele afirma: “De novo terás compaixão de nós, pisarás [como Jesus fez com a cabeça da serpente] as nossas maldades e atirarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar” (Mq 7.19).

Se, em seu tempo, Miqueias tivesse ouvido falar da Fossa das Marianas, localizada na Micronésia, Oceano Pacífico, ele escreveria: “Atirarás todos os nossos pecados na Fossa das Marianas”. É nesse ponto que estão as maiores profundezas do oceano (11.500 metros abaixo do nível do mar).

A figura da conta a pagar

Cada pecado cometido gera uma nota de débito. Muitos pecados cometidos geram muitas contas a pagar, uma dívida enorme tão impagável quanto a do homem que devia ao seu senhor uma dívida equivalente a trezentas toneladas de prata (Mt 18.24). Daí a súplica que Jesus colocou na oração do Pai-Nosso: “Perdoa as nossas dívidas”. Não importa o valor, dívida é sempre dívida, nota de débito é sempre nota de débito, conta a pagar é sempre conta a pagar, manuscrito que deixa a descoberto o montante da minha dívida é sempre um documento válido contra mim. Se eu pedir emprestado mil toneladas de prata a trezentas pessoas diferentes, continuo devendo trezentas toneladas de prata a cada uma delas. A situação é insolúvel até que o próprio credor, por iniciativa própria e por sua maravilhosa graça, jogue na fogueira -- mais ardente do que a fornalha acesa por Nabucodonosor -- o manuscrito que me declarava devedor. É isso que Deus faz conforme Paulo: “Deus perdoou todos os nossos pecados e anulou a conta da nossa dívida [...] ele acabou com essa conta, pregando-a na cruz” (Cl 2.13-14).

Quando eu fico sabendo o significado da cruz e passo a crer na expiação dos meus pecados por meio de Jesus, devo, então, me considerar definitivamente livre do tremendo sentimento de culpa. Essa remoção de culpa é válida para os pecados cometidos “grosso modo” e para os pecados quantas vezes repetidos depois da salvação. Pois, se o discípulo é obrigado a perdoar aquele que peca contra si até sete vezes por dia, caso se diga arrependido, por que Deus não faria o mesmo com o discípulo? (Lc 17.4).

Fonte: Blog Ultimato


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