“Pois sou semelhante a um odre na fumaça; contudo não me esqueço de teus estatutos.”
Salmos 119.83
Pois sou semelhante a um odre na fumaça. Os odres usados para guardar-se vinho, quando vazios, eram pendurados na tenda; e quando o ambiente era dominado por fumaça, os odres ficavam negros e fuliginosos, e ao calor tornavam-se enrugados e puídos. A face do salmista, em decorrência da aflição, tornara-se escura e melancólica, sulcada e enrugada; aliás, todo seu corpo se solidarizara tanto com sua mente angustiada que perdera seu vigor natural, tornando-se semelhante a um odre seco e surrado. Seu caráter tinha sido enfumaçado com calúnias, e sua mente, crestada com perseguição; seu receio é que se tornasse inútil e incapaz, com tanto sofrimento mental, ao ponto de as pessoas olharem para ele como se vissem um odre velho e puído, sem nenhum conteúdo e sem corresponder a qualquer propósito.
Que metáfora para um homem usar, sendo ele um poeta, um santo e mestre em Israel, se não um rei e um homem segundo o coração de Deus! Não admira se nós, parte do povo comum, somos levados a pensar bem pouco de nós mesmos e a deixar-nos dominar pela aflição mental. Alguns de nós conhecemos o significado secreto deste símile, pois nós também nos sentimos denegridos, sombrios e indignos, próprios tão-somente para o lixo. Quão negra e quente tem sido a fumaça que nos tem envolvido; parece vir não só das fornalhas egípcias, mas também dos abismos sem fundo; e possui um poder de grudar-se que a fuligem dela nos adere e nos enegrece com miseráveis pensamentos.
Contudo não me esqueço de teus estatutos. Aqui está a paciência dos santos e a vitória da fé. Aquele homem de Deus podia estar enegrecido pela falsidade, mas a verdade estava nele e jamais a renunciaria. Ele era fiel a seu Rei mesmo quando parece desertado e abandonado aos usos mais ignóbeis. As promessas lhe vieram à mente, e, o que era ainda melhor evidência de sua lealdade, os estatutos estavam ali também: ele aferrou-se a seus deveres da mesma forma que a seus confortos. As piores circunstâncias não podem destruir os verdadeiros cristãos que se apegam a seu Deus. A graça é um vivo poder que sobrevive àquilo que sufocaria a to¬das as formas de existência.
O fogo não pode consumi-la e a fumaça não pode enfumaçá-la. Uma pessoa pode ser reduzida a um odre e a ossos secos, e todo seu conforto pode estar ausente dela, contudo pode manter sua integridade e glorificar a seu Deus. Entretanto, não é de estranhar que em tais casos os olhos que são atormentados pela fumaça se ergam para o céu e clamem pela mão libertadora do Senhor, e o coração, veemente e desfalecido, suspire pela divina salvação.
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